Atenção tripulante, segure-se e aperte bem os cintos! Agora que já estamos imersos viajando pelo Universautista, uma chuva de meteoros começa a nos atingir. Cada um deles traz consigo uma pergunta diferente e, pouco a pouco, vamos tentar responder os principais questionamentos. Nessa conversa, vamos adentrar a atmosfera da neurociência e tentar responder uma dúvida fundamental: o que diferencia o cérebro autista?
Após ultrapassar a velocidade da luz, viajamos no tempo e voltamos a 1943, quando Leo Kanner descreveu os primeiros casos de autismo. Mais um pulo no espaço-tempo e alcançamos a década de 1980, quando foram realizados os primeiros estudos que buscavam identificar características diferentes no cérebro autista usando exames de imagem. Boom! O surgimento explosivo de pesquisas ocorre e nos joga de volta a 2020. Olhamos ao nosso redor e existem resquícios para todos os lados, cada um fruto de um estudo. Alguns encaixam entre si, outros trazem descobertas totalmente diferentes. Mesmo assim, conseguimos encontrar um ponto em comum entre eles: o autismo é um transtorno do neurodesenvolvimento. Nesse contexto, seria possível encontrar alterações características?
O TEA está entre os transtornos do neurodesenvolvimento porque é marcado por anormalidades na formação e crescimento do cérebro. De um modo geral, muitas funções mentais podem estar comprometidas. Contudo, algumas tendem a ser mais afetadas do que outras. Nesse cenário, o autismo se destaca justamente porque a interferência recai sobre características altamente sofisticadas: consciência social e comunicação, além de reunir propriedades de vários outros transtornos. Dessa forma, fica mais fácil compreender a variabilidade significativa na gravidade e nos sintomas que caracterizam o espectro. Do mesmo modo, diante de uma heterogeneidade tão grande, é natural que não possamos restringir o cérebro autista a modificações pontuais em sua estrutura ou conexões, ainda que grupos de indivíduos apresentem achados em comum.
Muito pelo contrário, é provável que o TEA seja uma classe com diferentes causas e, por consequência, com diferentes alterações neurológicas. O entendimento mais atual defende que as alterações no curso de desenvolvimento do cérebro são mais importantes do que o resultado das interferências propriamente ditas. Ou seja, isso quer dizer que, por mais que existam achados que apontem alterações estruturais importantes (como redução ou aumento do tamanho do cérebro com áreas mais ou menos desenvolvidas), o processo de formação das conexões e organização da comunicação entre as diferentes áreas cerebrais é o protagonista por trás das alterações neurológicas do TEA.
Para compreender essas ideias, imagine a complexidade de formação do cérebro que requer uma série de processos orquestrados. A migração neuronal, por exemplo, exige que neurônios saiam de seu ponto de origem e caminhem até uma estação final onde vão desempenhar suas funções. Uma vez estabelecidos, populações de neurônios podem ser estimuladas a crescer ou, quando suas conexões e funções são refinadas, diminuir, por um processo chamado poda neuronal. Assim, se regiões apresentam desenvolvimento que fogem da organização esperada, os padrões cerebrais de conexão e função sofrem sérias perturbações. São nesses processos que o TEA se diferencia, cursando com diferentes regiões afetadas que variam de indivíduo para indivíduo, com combinações de comprometimento caracterizando diferentes formas de autismos.
Ufa! Estamos mais estáveis, conseguimos combater alguns meteoros e usamos suas estruturas rochosas para formar uma base sólida em forma de respostas. De forma segura, podemos atingir mais uma camada na atmosfera da neurociência. Agora, encontraremos algumas nuvens que representam nebulosidades a respeito de teorias sobre o TEA. Mas não se preocupe, Apolo nos guia com perspicácia, guiado pelas perguntas de Atenas e explicações de Dr. Espectrum!
Ficou claro até agora que a trajetória normal do neurodesenvolvimento está alterada no autismo. Mas, essa vulnerabilidade nos traz pistas sobre as principais alterações no TEA? Sim! Ao longo do curso de desenvolvimento vão surgindo diversos prejuízos de rigidez comportamental, gestos repetitivos e interesses restritos na comunicação e interação social. Explicações a respeito desse processo ainda são obscuras, mas algumas hipóteses ganham cada vez mais força.
No céu de teorias, encontramos uma das mais recorrentes ao tentar explicar o prejuízo sobre a comunicação social. Você já parou para pensar sobre nossa capacidade de prever estados mentais (desejos, intenções, crenças, sentimentos) e comportamentos de outros indivíduos? Muito provavelmente não, principalmente porque não nos damos conta dessa habilidade que se dá de forma intuitiva e automática. Rapidamente, conseguimos supor pensamentos de outros indivíduos e isso é fundamental para mantermos a nossa capacidade de comunicação e sensibilidade para identificar todas as minúcias por trás de nossa linguagem rebuscada. Essa “teoria da mente” é, para muitos, a base da nossa alta habilidade de raciocinar a interação social.
Agora pense no extremo oposto, uma “cegueira mental” na qual essa competência de raciocínio é perdida. Experimente imaginar como seria interagir com essa anormalidade. Difícil, não é mesmo? É como se perdêssemos nossa capacidade de nos colocar no lugar do outro. Porém, acredita-se que é justamente essa adversidade que acomete a capacidade cognitiva (de raciocínio) dos autistas e, por consequência, suas dificuldades em interação social. Alguns dentro do TEA podem nunca alcançar essa aptidão de forma plena, outros adquirem com atraso e uns tem essa característica em parte bem preservada. Na verdade, acredita-se que com maior ou menor intensidade todos tem um grau de defasagem.
Tudo isso que conversamos até agora poderia ser entendido como uma falta de versatilidade do pensamento e servir para entendermos o menor grau de flexibilidade de comportamento no TEA. Surgiriam então discussões sobre comportamentos repetitivos, movimentos estereotipados e até mesmo rigidez na rotina. Contudo, continuar essa conversa agora poderia ser muito atrevido, correríamos o risco de nos chocarmos com os meteoros das dúvidas de forma despreparada e com desatenção gerando ainda mais confusão. Mas não se preocupe, essa está sendo a nossa primeira jornada pela neurociência e novos encontros vão abordar todos os temas mais pertinentes. Por isso, vamos resumir nossos aprendizados para pousarmos em segurança abrindo portas à reflexão.
Está se tornado cada vez mais claro que a trajetória normal do neurodesenvolvimento é alterada no autismo, com mudanças no crescimento do cérebro, padrões de organização e conexão. Além de modificações na estrutura, função e forma de raciocínio que também estão presentes. E por que tudo isso é importante? O indivíduo com TEA possuiu muitas particularidades, alterações que refletem por toda a vida, mas isso não significa que não há o que ser feito. Pelo contrário, o conhecimento aliado a boas abordagens pode modificar de forma marcante muitas realidades. Por esse motivo estamos aqui e convidamos você a continuar explorando o Universautista com nossa equipe.
Até a próxima, tripulante!🚀
Ramon Olm e Natália Cavichioli
Ah.. deixamos um resuminho para você 😉👇
