As singularidades no Transtorno do Espectro Autista

Ao conhecer uma pessoa com autismo você conhece um autista e não
todos

Apesar do diagnóstico em comum, cada pessoa com TEA manifesta os sintomas e características do transtorno de maneira singular.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que uma em cada 160 crianças no mundo tem o Transtorno do Espectro Autista (TEA). Se calcularmos a partir dessa proporção, a cada 100 mil crianças, por exemplo, 625 apresentam o transtorno. Na realidade, podemos dizer que 625 crianças com TEA configuram 625 diferentes tipos de autismo. Esse é o entendimento que queremos alcançar ao final da jornada que iniciaremos agora. Embarque nessa jornada de conhecimento com a gente!

O passo inicial da nossa discussão é a ideia de que o autismo se manifesta de forma única. O TEA não se trata de tudo ou nada, mas sim de uma variação infinita que vai desde traços leves, que até mesmo dificultam o processo diagnóstico, a um quadro complexo com a presença de todos os sinais e sintomas. Os sinais e sintomas mais comuns do TEA também podem ser observados de maneira particular em cada indivíduo, como nos casos descritos a seguir:

Caso A: Lívia é uma menina muito esperta de quatro anos de idade. Há um tempo seus pais perceberam que ela apresentava comportamentos bem elaborados, como se virar sozinha para alcançar algo no armário ou organizar brinquedos em sua mesinha, bem como mexer em vários recursos no celular. Porém, eles também perceberam que ela estava com atrasos na comunicação verbal e não verbal, pois ela não falava ou apontava para objetos desejados. Ela também não se interessava por brincadeiras propostas pelos pais, gostando apenas de brincar com seus legos, se mostrando desconfortável quando outra pessoa procurava participar da sua brincadeira. Ela também balançava o corpo para frente e para trás em alguns momentos.

Caso B: Pedro é um menino de 10 anos que se destaca na sala de aula, compreendendo bem todos os conteúdos e com bom desempenho nas aulas de educação física. Porém, os pais e professores têm dificuldade em fazer Pedro compreender as regras sociais, se colocar no lugar de outras pessoas e trabalhar a flexibilidade mental. Todos os domingos os pais iam a um parque com Pedro. Certa vez, decidiram mudar o programa e ir ao cinema naquele dia, o que fez Pedro entrar em uma grande crise de estresse. Começou a chorar muito e se debater no chão, gritando que não queria ir ao cinema. Os pais ficaram chateados, pois pensaram que Pedro gostaria da surpresa.

O que esses casos têm em comum? O Dr. Espectrum nos ajudará a compreender: “Antes de mais nada saiba que, por mais que o relato seja insuficiente para um diagnóstico imediato, essas crianças receberam o diagnóstico de TEA. Observe que nos casos exemplificados algumas particularidades chamam a atenção, desde as dificuldades e prejuízos até as potencialidades e habilidades em cada indivíduo. Entenda que muitos dos sinais e sintomas podem até mesmo ser compartilhados, mas atente-se para o fato de que a tendência é que cada um tem apresentação de modo singular com tonalidades e repercussões diferentes. Assim é a realidade, uma diversidade de manifestações que ficam contidas sob o TEA como um denominador comum.”

Para tornar nossa compreensão mais clara, vamos embarcar em nosso foguete com Apolo e Atena e fazer uma viagem por esse universo… E se pensarmos em cada pessoa com TEA como uma estrela? Isso mesmo, as estrelas que observamos há milhões de quilômetros no céu! Você já parou para pensar quantas estrelas existem e se todas elas são iguais? Estima-se que somente na Via Láctea existem de 200 a 400 bilhões de estrelas. Para ser reconhecida como estrela, cada uma delas precisa apresentar certas particularidades que a classificam como tal, mas as estrelas variam em sua temperatura, composição, brilho, massa, entre outras características.

Da mesma forma que acontece com as estrelas, que precisam apresentar determinadas características para serem classificadas dessa maneira, para o diagnóstico de uma pessoa com TEA, é necessária a presença de alguns critérios diagnósticos específicos, porém, as manifestações variam muito dependendo da gravidade da condição autista, do nível de desenvolvimento e da idade cronológica, por isso utiliza-se o termo espectro, englobando diferentes transtornos em um mesmo grupo (DSM-5, 2014). Você pode conferir mais sobre isso clicando AQUI.

Agora que você já compreendeu que apesar do diagnóstico em comum, cada pessoa com TEA é única e vai apresentar manifestações distintas, o Dr. Espectrum nos explicará por que o conceito de singularidade é importante para a ciência: “A singularidade é compreendida como um conjunto de características exclusivas que constituem um indivíduo ou objeto e deixam de ter qualquer significado independente, distinguindo este dos demais”.

Apesar dos critérios diagnósticos serem os mesmos, nenhum autista irá apresentar os sintomas da mesma forma. Em relação aos prejuízos na comunicação e interação social, por exemplo, um autista pode apresentar ausência total da fala, se caracterizando como não verbal, enquanto outro pode ter as habilidades de linguagem preservadas. Nos comportamentos de comunicação não-verbal, o contato visual pode se manifestar de forma prejudicada para um autista, mas estar preservado no caso de outro.

Nas relações sociais, o interesse social pode estar ausente para uma pessoa com TEA, ou então manifestar-se de forma atípica, passando a imagem até mesmo de inadequado no caso de outra pessoa com o diagnóstico. Podemos destacar ainda que uma pessoa com autismo pode ser mais isolada, como também pode ser excessivamente afetiva.

Os padrões repetitivos e restritos de comportamentos, interesses e atividades manifestam-se de forma distinta em cada pessoa com TEA, como através de estereotipias motoras, uso repetitivo de objetos ou fala repetitiva. Pode estar presente a resistência por mudanças na rotina, rituais de comportamentos, e interesse fixo por determinado objeto ou tema. Nada é caracterizado como regra no transtorno, um grupo de crianças autistas demonstrar interesse restrito por dinossauros, por exemplo, não significa que todas as crianças autistas apresentarão o mesmo interesse. Uma estereotipia pode sinalizar um momento de crise ao se deparar com uma situação mais desconfortável e/ou aversiva ou então se manifestar pela necessidade individual da pessoa em expressar este comportamento contínuo.

Além das manifestações presentes em cada critério de diagnóstico, as pessoas com TEA comumente podem apresentar hiper ou hiposensibilidade, ou seja, manifestar sensibilidade a algum estímulo, como um tecido de roupa, sons mais fortes ou exposição à luz. Novamente, nada é visto como regra, pois apresentar alguma sensibilidade ou mesmo nenhuma só reforça que cada pessoa com TEA experiência os sintomas de maneira distinta e única.

Cada pessoa com TEA é única e pode apresentar diferentes nuances entre as principais características do transtorno, sem necessariamente ter que apresentar o conjunto de todos os sintomas para ter o diagnóstico de TEA. Receber o diagnóstico de TEA não torna a pessoa incapaz, mas sim limita suas habilidades em determinadas áreas, o que não impede que ela possua facilidades em outras áreas.

As particularidades apresentadas por cada pessoa com TEA merecem atenção, cuidado e intervenções de modo singular. Você conhece pessoas com TEA? Já parou para observar o que distingue os sintomas e características de cada uma? Conta para a gente aqui nos comentários…

Curiosidade: Você conhece a Temple Grandin? Temple é uma mulher autista, estudou psicologia, se especializando em ciência animal, é professora universitária nos EUA, além de cientista com uma carreira de sucesso na indústria pecuária há mais de 40 anos. Para ela, o contato físico direto com outras pessoas consistia em uma experiência desagradável, o que vale destacar, não indica uma ausência de afeto. Para auxiliar pessoas com TEA que apresentam hipersensibilidade, ela desenvolveu uma máquina do abraço para aliviar a ansiedade e tensão, bem como estereotipias e comportamentos disruptivos. Temple conta como andar e cuidar de cavalos a ajudou a compartilhar, desenvolver amizades, responsabilidade e habilidades para o trabalho, enfatizando que no seu caso, as atividades de equitação melhoraram a comunicação social e o envolvimento, como algumas pesquisas também indicam, essa e outras experiências de Temple, demonstram que assim como há uma manifestação particular de sinais e sintomas do TEA, há também modos particulares de lidar e se desenvolver a partir deles, portanto, ressalta-se a importância de intervenções que olhem para as necessidades individuais de cada pessoa com TEA. Temple também explica que sua mente funciona como um mecanismo de busca de fotografias na Internet, sendo associativo e não linear, ou seja, por exemplo, para ela formar o conceito da cor laranja, ela visualiza em sua mente muitos objetos laranjas diferentes, o que não indica que a mente de todas as pessoas com TEA funcionará dessa maneira. Você pode conhecer mais sobre a história de Temple procurando pelo filme com seu nome, ou em artigos e livros publicados por ela.

Gisela Aparecida Sartor e Luana Taline Schmitt.

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